Uma obra gigantesca no Norte
do país pra gerar energia elétrica tem provocado batalhas nos tribunais
brasileiros - com os trabalhos paralisados, de tempos em tempos, por
liminares.
É um projeto de R$ 30 bilhões - que motiva debates desde muito antes de ter começado a sair do papel.
A reportagem especial que o Jornal Nacional apresentou nesta sexta-feira (17) mostra por quê.
O destino do majestoso rio Xingu está muito além do mar. Das corredeiras
do Xingu, no coração da Amazônia, o Brasil espera tirar energia para
abastecer mais de um quarto da população do país. É a Usina de Belo
Monte.
Uma forma menos poluente de gerar energia e muito mais produtiva. Apenas
uma das 18 turbinas de Belo Monte será suficiente para abastecer uma
cidade com até 3 milhões de habitantes.
Mas toda construção desse porte gera polêmica. E achar o ponto de
equilíbrio entre os inegáveis benefícios da hidrelétrica e a compensação
dos impactos socioambientais é o grande desafio. Tão gigantesco quanto o
próprio empreendimento.
Foram 3 décadas de estudos só pra definir o projeto: em vez de
simplesmente represar o rio em um único ponto e alagar milhões de
hectares de floresta, Belo Monte vai contar com dois reservatórios
relativamente pequenos - que vão inundar o correspondente a 55 mil
campos de futebol.
O primeiro deles fica antes da chamada “Volta Grande” - uma curva de 100
quilômetros que o rio faz em meio as corredeiras. Essa represa não
altera o leito do Xingu, apenas alarga suas margens, do jeito que o rio
já fica normalmente na cheia.
A partir daí, um canal de 500 metros de largura, 50 de profundidade e 20
quilômetros de comprimento desvia cerca de 80% do Xingu até o segundo
reservatório, que alimentará as turbinas instaladas no outro lado da
Volta Grande. Um degrau de 87 metros por onde vai despencar, a cada
segundo, um volume de agua equivalente a seis piscinas olímpicas.
O consórcio que ergue a Usina de Belo Monte precisou assumir
compromissos adicionais. Ao todo, foram exigidas 40 condições para que a
obra pudesse começar. E elas afetam tanto a floresta e as áreas
indígenas quanto cidades da região.
Canteiros de obras, máquinas e homens trabalham para cumprir as
exigências de compensação nas cinco cidades que serão atingidas
diretamente pela Hidrelétrica de Belo Monte: Vitória do Xingu, Brasil
Novo, Senador Porfirio, Anapu e Altamira - todas no Pará.
O município de Altamira existe há 102 anos, mas até agora não tinha um
metro sequer de esgoto. Era tudo a céu aberto. A companhia responsável
pela hidrelétrica já construiu cerca de 50 quilômetros de tubulação e
nos próximos seis meses promete deixar toda a cidade com encanamento
subterrâneo, para escoar o esgoto.
“Não tem nenhuma usina que seja feita que ela não traga impacto pro meio
ambiente. Por isso que você tem que fazer as compensações e as devidas
compensações ambientais, sociais pra o local onde você faz a sua usina”,
aponta Duílio Figueiredo, diretor-presidente da Norte Energia.
Atraídas pela oportunidade de trabalho, cerca de 50 mil pessoas se
mudaram para região do Xingu de uma hora pra outra. Inchaço difícil de
absorver. “Tem mais de 190 pacientes aguardando cirurgia no hospital”,
diz um médico.
Enquanto os comerciantes comemoram. “Graças a Deus, os negócios estão
indo muito bem”, afirma um comerciante. Os moradores cobram e os
prefeitos reclamam. “Já deveríamos nós estarmos contemplados. Sem faltar
escola, sem faltar posto de saúde, sem faltar medico, sem faltar
hospitais”, destaca Domingos Juvenil, do PMDB, prefeito de Altamira.
A usina já entregou os 28 postos de saúde prometidos. E comemora a
redução dos casos de malária em 87% na região depois de uma campanha
preventiva. Mas ainda falta terminar as obras do novo hospital regional,
com 100 leitos - que deveria ter sido entregue antes do começo das
obras na usina e da avalanche de novos moradores. O responsável alega
que não dava pra começar a fazer melhorias nas cidades sem ter certeza
de que a usina seria aprovada.
“Se não tem aprovação da obra, não tem recurso. E assim algumas
condicionantes só poderão ser realizadas após a liberação da licença de
instalação”, explica José Lásaro Ladislau, gerente de saúde pública -
Norte Energia.
Outro compromisso da empresa é construir escolas e casas para a
população. Das 92 escolas prometidas aos cindo municípios, 48 estão
prontas. Os moradores aguardam ainda as casas de alvenaria, que devem
substituir 4,1 mil palafitas. Três mil e novecentas casas continuam em
obras.
“Projeto é o que mais tem. E o que a gente tá vendo na prática é que
essas tais condicionantes, elas têm uma dificuldade enorme de sair do
papel. Claro que tem vantagens. Esses projetos têm a possibilidade de
trazer para essa região, políticas públicas que já eram de direito dessa
região e que na prática estão começando a acontecer com a vinda desses
grandes projetos”, ressalta Marcelo Salazar, instituto socioambiental.
As questões ligadas à qualidade do meio ambiente também fazem parte da lista de compensações. E de preocupações.
Para os índios, o Xingu significa vida. Nas aldeias indígenas situadas
no trecho do rio que vai ficar com menos de 20% da atual vazão, o maior
temor é pelo futuro da pesca.
Para garantir a preservação da fauna e da flora, foi exigido um centro
de zoobotânica - uma espécie de uma arca de Noé. Lá, biólogos
contratados pela usina montam um banco de sementes e mudas de plantas.
Cuidam do remanejo de animais. E estudam a reprodução de peixes
regionais em cativeiro para repovoar o Xingu se necessário.
“É uma tentativa de se reduzir o impacto de perdas de indivíduos. Isso
tanto pra animais como para a vegetação. Para se perpetuar as espécies e
evitar ao máximo a perda de biodiversidade”, diz Gilberto Veronese,
superintendente centro de zoobotânica.
Tudo vigiado pelo Ministério Público, que já ajuizou 20 ações e suspendeu a construção da usina por 92 dias.
“Nós não temos uma posição institucional favorável ou desfavorável à
obra. Todo o nosso trabalho é fazer com que as condicionais sejam
cumpridas e o interesse público seja resguardado”, aponta Bruna Menezes,
procuradora da república.
Ao todo, os projetos socioambientais têm um orçamento de mais de R$ 3,8 bilhões - quase 13% do projeto inteiro.
Resultado da pressão do Ibama, Funai, Ministério Público, prefeituras e
organizações não-governamentais, a empresa reconhece que nem todo o
dinheiro do mundo pode comprar a satisfação de cada pessoa que se sente
prejudicada, mas aposta que depois que Belo Monte começar a gerar
energia, o que está previsto para o início de 2015, as críticas serão
águas passadas.
JN
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